A melancolia da linguagem - J.-B. Pontalis

10/03/2025

Aproveito para disponibilizar aqui um dos textos que julgo mais primorosos de Pontalis a respeito da linguagem (no botão, o link para download da versão em .pdf). Consta no livro "Perder de Vista", editado pela Zahar nos anos 1990. 

"Nestas palavras de Freud para descrever o trabalho do luto – "A tarefa é realizada detalhadamente, com um grande dispêndio de tempo e de energia de investimento, e, durante esse período, a existência do objeto perdido prossegue psiquicamente" – vejo a definição da fala na análise, de uma verificação que só pode ser efetuada, dolorosamente, ali, e não em outros lugares (a literatura, por longe que vá na dispersão, na fragmentação, na descontinuidade, na errância, conserva a preocupação com uma forma que assegura uma saúde efêmera). No detalhe, no ínfimo, no passo a passo dos restos, a fala, quando nada a comanda a não ser seu próprio impulso, reconduz ao objeto perdido, para dele se desligar. E isso, ao longo de toda a sua trajetória. De toda ela, e não apenas no fim. A entrada na análise inaugura o desbaratamento da união.

Separar-se, desunir-se do objeto e de si, desligar-se do semelhante ao idêntico, medir incessantemente a distância entre a coisa possuída e a palavra que a designa, e que, ao designá-la, diz de imediato que ela não está ali. Dessa distância, por sua vez, tentamos fazer uma coisa. Procuramos provas de que ela poderia, de que deveria não ter-se produzido, de que nos fez sofrer um prejuízo que não temos como tolerar. Queixamo-nos de todas as separações de que fomos vítimas. Não nos cansamos de fixá-las no tempo: uma partida, uma morte, uma negligência – tantos abandonos, outras tantas ofensas. Conferimos-lhes uma imagem e um lugar: uma casa imóvel e seus odores, que já não existem; um olhar de mãe que se voltou para outro lugar (pior: para dentro dela mesma, onde não estávamos); um nadinha qualquer que, para nós, era tudo de que precisávamos...

Essas queixas, em forma de acusação ou de súplica, essa pretensa rememoração, tudo tem apenas um objetivo: dar realidade e consistência a um antes, um antes absoluto.

Podemos admitir que nunca existiu de verdade esse antes. Por isso é que a palavra saudade, que pretenderia abarcar o movimento que o invoca, não nos convém. Consentimentos em reconhecer que não conhecemos nenhuma terra natal e que, portanto, nenhuma lembrança poderia nos fazer reencontrá-la; que tampouco atingiremos uma terra prometida, e que nenhum compromisso de fidelidade pode fazer-nos chegar a ela. Entretanto, a certeza de uma coisa sem nome nos acompanha. De uma coisa que se declararia por si, tal como é. Se não é nem nossa origem nem nosso futuro, continua a ser nosso horizonte permanente. Só ela assegura a tensão da fala na sessão, que é levada ao extremo.

Palavras "impróprias, imperfeitas, impotentes para..., incapazes de..." (como a sexualidade, a linguagem chega ao homenzinho cedo demais ou tarde demais; como aquela, perturba o vivo). Como prescindir dessa queixa? Ela é necessária. Quem a ignorasse desconheceria também o luto da linguagem e, com isso, desviar-se-ia de uma vez por todas da coisa ausente e só encontraria nas palavras substitutos, sem procurar nelas, apesar de tudo, a marca da coisa.

Sem dúvida, é preciso ter levado a queixa contra a linguagem mais além da suspeita, até o ódio, para poder depositar nela alguma confiança, confiar em seus movimentos e até amar suas limitações, a inflexível sintaxe.

Porque a linguagem não é captura: não se apodera de nada da substância do real, nem sequer da mais ínfima porção. (A pintura, sim, e também a música, que, como dizia Schumann, "permite conversar com o além".) Mas ela tampouco é renúncia; não admite confessar que "Isso não é para mim". Faz parte de sua própria natureza ir em direção ao que não é ela. Já que nasceu da parda e que nada tem que lhe pertença, seu apetite é enorme! Ela pode e deve, para viver, "incorporar" tudo, inclusive o corpo e mais do que ele: seduz melhor do que o sexo, comove mais profundamente que as lágrimas, convence com mais vigor do que um murro, fere, entorpece, aturde... tem todos os poderes. Nesse movimento que a leva da dominação, da magia, à consciência de sua vacuidade essencial, ela oscila entre o triunfo maníaco e a melancolia. Mas a melancolia revela sua natureza, e a mania, apenas seu esforço.

Por isso é que não devemos opor aquilo que, sem muita dificuldade, pode ser posto em palavras, ao que estaria fadado ao indizível. É que na própria operação da linguagem inscreve-se a impossibilidade de satisfazer sua exigência. A não-realização do desejo está nela, mas o desejo não tem limites. Deslocando-se justamente para ali onde falha, a linguagem realiza seu fracasso. É, ao mesmo tempo, um luto que se faz e um luto que não termina. Que diz o "nada a dizer", senão a recusa embrutecida, teimosa, do trabalho de luto a que nos abandona o "objeto perdido", a "coisa inominável", a "verdade sem frase"? Tanto não existe palavra plena (ou vazia) quanto não há silêncio compacto (ou oco).

Uma linguagem que ignorasse a perda que lhe dá vida e que a anima, uma linguagem convencida de enunciar a verdade, a rigor, só remeteria a ela mesma. Acreditando que, sem ela, as coisas seriam mudas, confundir-se-ia com a eloquência. E, quando mais a eloquência (que poderia ser a de uma poesia que se encantasse com ela mesma) fica segura de seus poderes, mais dura é a queda. O "empolado", que se ama em suas palavras, dá um grande deprimido.

No extremo oposto, seu complemento: a exaltação (através de uma profusão de palavras...) do "pré-verbal" – das trocas, efusões e comunicações mãe-bebê, corpo a corpo.

Numa e noutra, o mesmo desconhecimento. Como transmitir-lhes, a esses bons apóstolos do antes e do depois, a má notícia trazida por uma linguagem sem fim nem finalidade, que não se propõe nem à expressão nem à comunicação? (Estas são consequências delas, não sua razão de ser.)

Quando rapazola, ensaiei-me por algum tempo na pré-história. O sílex e o bronze me entediavam. O que me atraía naqueles homens distantes, meus irmãos, era, com suas peles de animais, o enigma que me formulavam: que é que realmente os impelira a falar? Não podia ter sido uma necessidade, como a de comer ou estar aquecido. Então o quê? Nesse ponto, não mudei de opinião: digo a mim mesmo que eles inventaram uma língua (simultaneamente língua-linguagem-fala) para nada, para nada que lhes pudesse ser útil, e que essa língua lhes era necessariamente estrangeira. Não tinha relação com seus gestos ou seus gritos, nem com seus sinais, com tudo o que fazia com que se exprimissem e se comunicassem. Ela rompia com o corpo. Eu seria capaz de jurar que eles não "inventaram" a linguagem para falar entre si, mas para falar com o desconhecido: seria a morte? seriam nossos deuses?

Que indicam as censuras que formulamos contra as palavras? Há nisso, como em outras coisas, um imenso amor frustrado: a loucura de segurar, a obstinação de reter, a convicção de deter a coisa em si.

As palavras, minhas palavras, jamais serão minhas. Mas é preciso ter querido que se tornassem minhas para reconhecer que não pertencem a ninguém, e que assim, não tendo dono nem senhor, para sempre estrangeiras, nelas posso me perder e me encontrar.

"A sombra do objeto recai sobre o ego." Sem essa sombra, sem essa queda, a linguagem é ruído imóvel, e não luz.

É quando as palavras nos faltam, como a qualquer um, que a fala, tal como o amor, nos vem. Ela deixa de ser chorosa, reivindicatória e perseguida, não mais proclama o que lhe falta, e encontra nisso seu recurso infinito.

Para permanecer em relação com a coisa, é preciso que tenha chegado o momento de desfazer o vínculo com o objeto (término da análise). Para se permitir sonhar, há que consentir primeiro no distanciamento que o sono proporciona. A fala que não vem de parte alguma e não se dirige a ninguém aparentemente faz a ordem da linguagem adormecer e, no entanto, produz o dizer, através de mil vozes que, vez por outra, unindo-se sem meu conhecimento, passam a criar uma, ou quase uma, na oscilação entre o alheio e o próprio, na precariedade de um "eu disse isso, eu? então é isso"".