Saber depor: impasses e efeitos temporais na estrutura

20/08/2024

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SABER DEPOR: IMPASSES E EFEITOS TEMPORAIS NA ESTRUTURA

Introdução

Neste trabalho proponho articular de que maneira a teorização da noção de temporalidade, a partir da psicanálise, sustenta uma íntima ligação com o estatuto do sintoma que uma análise propõe e tem condições de tratar.

Para isso, faço brevíssima incursão às premissas coletadas para avançar no argumento a ser sustentado e na extração de consequências para um debate. De saída, aponto para a relação de condicionamento entre real e sintoma. Em A hipótese de Lacan (2009), Gerbase destaca que a condição de formação do sintoma é o real e faz o relevante esclarecimento de que...

a contribuição da psicanálise é dizer que não há nenhuma participação da realidade na formação do sintoma, que o desencadeamento de um sintoma é do real, que houve aí encontro do real, que o sujeito encontrou algo impossível de ser dito... e que vai ser necessário tagarelar para poder dizê-lo, para poder tocar o real. (p. 102)

Deste modo, para recorrer à tagarelice e, com ela, tentar dizer desse mal-estar, será preciso conceber o sujeito como subordinado às leis do discurso e da cadeia significante, já que tal prática é um trabalho a se desenrolar no tempo. E o que isso implica? Implica que a estrutura do sujeito, como efeito de linguagem (suportada na diacronia do discurso), é, ela mesma, temporal. Ademais, como Lacan indica em Posição do Inconsciente (1998), tal condição discursiva impõe que os desdobramentos da fala produzam um efeito de ação-retroação sobre as cadeias de sentidos, a ponto de Lacan chamar essa temporalidade de reversível (p. 853).

Vale reter que o fato do sujeito só poder significar aos poucos – condição da diacronia pela qual os significantes se encadeiam – impõe que, a cada vez que tome a palavra, o falante seja convocado a:

a) uma decisão (que incide na significação com a qual ele se faz representado entre significantes – consoante à fórmula canônica de Lacan);

b) uma renúncia (que aponta para a relação que o sujeito sustentará com aquilo que não cabe em cada ato de significação – a perda que cada ato discursivo impõe).

O real, como saldo daquilo que, a cada vez, falha em se inscrever na linguagem, opera um efeito de insistência através de irradiações de mal-estar sempre que o sujeito advém como dividido (isto é, apartado de uma parte de representação). Aliás, tal conjunto de efeitos traz um tipo de consequência que diversos comentadores não hesitam em marcar como sendo o próprio fator traumático da linguagem.

Diante da condição imposta pelas leis do significante, o falante produzirá algumas formas de se defender desse saldo real que está na causa da linguagem que, por sua vez, está na causa do sujeito, como Lacan anuncia no texto já citado(1998, p. 844). Tais defesas recebem o nome de sintoma, que seria, assim, uma das formas do sujeito responder, no tempo, ao encontro com o real. A este propósito, Godino Cabas (2010) salienta: "o sintoma é feito de gozo e tempo" (p. 234).

O tempo do inconsciente e a quinta estação

Aquilo que Lacan designou como propriedade do real, Pontalis, por sua vez, propôs chamar de infantia (com a grafia fiel à sua origem latina): aquilo que não tem voz, que não fala, aquilo que não passa à linguagem, que está fora do logos (e, no entanto, o causa). "Fazer falar o infans" é o modo como Pontalis (1997, p. 28) se refere ao objetivo da análise: dar voz a isso que está fora do tempo, a esse tempo que não passa e que não se confunde com a infância cronológica. O real, como atualização do que não cessa de não se escrever, cumpre a função desse tempo que não passa, insistência que causa o desejo (e o mal-estar). Para dizer desse tempo, Pontalis recorre a uma valiosa expressão atribuída ao latino Gaius Albucius, contemporâneo de Cristo, sob o nome de a quinta estação.

A quinta estação não é uma substância. O inconsciente tampouco. O fora-do-tempo que ela figura ao iluminar, ao causar febre e ao misturar as estações do calendário, não tem nenhuma outra razão a não ser abrir o tempo... Seria uma ilusão ainda maior confundi-la com a eternidade, esse não-tempo dos mortos. (1997, p. 38)

Escutemos: abrir o tempo. O tempo que não passa, a quinta estação, é aquela em que a causa do desejo opera. Mas Pontalis nos adverte quanto a essa sutileza: "O tempo que não passa não é a negação do tempo que passa. Ele é a sua realização" (1997, p. 22).

Para aceder à fala, será preciso interpor um registro que alcance o que é possível de ser dito, incluí-lo nas leis da diacronia – recortante – do discurso e do significante. Ficcionar o real. Lacan chega a dizer no Seminário 25 que o simbólico dubla o real (lição de 15 de novembro de 1977): fabrica uma voz que alude (ou tenta curar) ao impossível.

Como psicanalistas, aprendemos a ler de que maneira isso que não fala, fala por outras vias, produz efeitos, é escamoteado por uma fantasia encobridora, escapa sob a forma de equívocos, lapsos, sonhos. Faz sintomas. Ainda assim, convém não esquecer, como Soler (2008) indica, que tal condição mantém relação com algo da ordem de um "inexprimível", com algo que "não se mostra, ele se deduz, e o sujeito tem uma idéia dele a partir de sua divisão" (p. 91). Voltaremos a esse impasse ao final do texto.

Fingermann (2005) indica que a fantasia produz uma fixidez para o desejo sob uma cobertura de intemporalidade, buscando justamente encobrir a dimensão atemporal do desejo (p. 65). Desse modo, a fantasia, como modo estruturante de tratamento do real, sustenta uma fixação que cristaliza uma possibilidade no horizonte, condensada mais ou menos da seguinte forma: diante do enigma sobre o desejo do Outro, o neurótico precisa supor existir (eis uma ação e tanto) o objeto-saber que operaria como seu complemento pleno – e traria a satisfação que redimiria seu mal-estar: a satisfação de fazer-se o objeto que corresponde ao desejo do Outro. Não por capricho, grifemos, mas como parte necessária da operação de sua constituição.

A posição do analista

Se a estrutura insiste em proteger o sujeito de cada encontro com o real (a partir desse revestimento proposto pela fantasia), o analista insiste em formas de desacomodar tal montagem diante do incessante do real. Dito de outro modo: a presença do analista faz obstáculo a que o sujeito ignore aquilo que ultrapassa sua intencionalidade e sua esperança de domínio. Não há domínio que esgote o inconsciente, diria a legenda que respalda o corte da intervenção analítica. Tal ato incide sobre a noção de continuidade e sincronia que caracteriza o tempo cronológico (portanto, do consciente) e visa fazer fracassar o conforto da ilusão totalizante da significação apontando, antes, para o furo na significância.

Para isso, o efeito de sujeito buscado em uma análise depende da operação de destacamento significante, que requer a presença do psicanalista, como aponta Dias (1995). Isto implica considerar que o próprio analista participa das condições linguajeiras que interferem nessa operação. O analista, aqui, é aquele que precisa ser investido com a consistência outorgada a ele como suposto-saber para, a partir desse investimento, intervir na transferência e produzir os efeitos supracitados. Operação que só pode ser realizada a partir de um jogo que fratura o tempo cronológico para permitir o advento (sem ignorar o relógio) do tempo que não passa. A partir daí, trata-se de saber se o analista, com tal manejo, é capaz de operar a favor da "demonstração lógica da impossibilidade de completar o real" (Fingermann, 2009, p. 68), ato este que compete ao analisante assumir em seu momento de concluir.

Assim, o analista deverá operar seu manejo como parceiro da irredutibilidade do real em jogo, isto é, sustentando que há um impossível de ser dito e que não haveria avanço de uma experiência analítica que não sustente, em seu horizonte, deixar o analisante se haver com as consequências a serem articuladas sobre esse fracasso particular. Sabemos que serão necessárias muitas voltas em torno desse inexprimível para poder forjar um saber-fazer com ele.

A posição ocupada pelo analista e a direção para o tratamento conduzem, assim, a uma subversão que intenta deslocar o valor do encontro com o real como mal-estar a ser extirpado para uma torção que empurra o impossível de se dizer para o lugar de causa de desejo.

Por um lado, os cortes que o analista maneja em seu enquadre visariam "realizar o dizer que não está nos ditos" (Fingermann, 2009, p. 70). Como se dissesse: "sua fala não vai alcançar dizer o impossível de dizer, por isso lhe corto". Ou então: "não detenho ao sentido da sua fala, por isso a interrompo em um ponto qualquer". Ou ainda: "há o incontável, o impossível de contar". Aos poucos (já que o analista também está submetido à diacronia), ele opera para enxugar o esforço de infinitização de sentido que o discurso analisante mobiliza em sessão, apostando que este possa vir a ler: "Jamais consigo dizer a verdade toda: algo sempre fracassa", chegando a um "enfim, reconheço um impossível na linguagem". Perda da miragem que busca o ser no sentido.

Assim, se o neurótico é aquele que espera do Outro o saber pelo qual se daria o advento de seu ser, o ato analítico viria denunciar a dimensão vã e impossível de sua empreitada. O saber-complemento de seu ser é somente um vazio impossível de ser dito na linguagem.

Fingermann (2009) propõe que a incidência do discurso analítico nos tempos da constituição do sujeito produziriam uma mutação na estrutura (p. 66), mutação esta que é o objetivo de nossa reflexão. A estrutura (isto é: o intemporal tentando encobrir o atemporal) é aquilo que os cortes do analista visam fazer aparecer, desvelar. Tais atos corresponderiam a fazer, do toro neurótico, uma banda de moebius, como afirma a autora (abalando as noções de dentro e fora, e os esforços de obturação do vazio da estrutura). Assim, trago a questão para o debate: desvelar a estrutura modifica a estrutura?

Ademais, se a interpretação como corte aponta para algo que não pode ser dito pelo sentido, então, como deixar o real dizer algo? Como fazer o real mostrar-se, bem ali onde a linguagem não alcança dizê-lo e só oferece miragens em seu lugar?


Contar o incontável

Dois autores convergem na abordagem do problema a ser trabalhado: Soler (2008) traz a ideia de que o desafio de uma análise consistiria em passar da série associativa infinita a uma sequência finita, de modo que isso possa se dar através de uma conclusão lógica, mais do que como simples interrupção (p. 87). Já Ramos (2014) destaca que, para escapar da infinitização do esforço de contar até chegar a um sentido total, uma análise precisaria favorecer ao neurótico a consideração do incontável, ou seja, o impossível de contar (p. 121).

Sabemos que a montagem neurótica busca escamotear a volta não-contada, e preservá-la como contável, como inscritível. Assim, o corte no âmbito do tratamento tem o objetivo de fazer aparecer a estrutura que, por sua vez, viria favorecer a deposição do saber pleno no Outro.

Uma travessia analítica implica que a sustentação do desejo depende do sujeito poder assumir o não-enumerável suportado pela estrutura. Tal passagem se faria sob a forma de um ato de assunção que nos coloca fora da contagem (para copular com o Outro), o que é sinônimo de um instante de separação (Ramos, p. 123). Ramos propõe ainda que o saber que haveria de ser produzido em uma análise é, nada mais, nada menos, que o saber a ser construído sobre o incontável: o elemento faltante à contagem que corresponde ao vazio de representação.

Há análises que empacam diante desse congelamento: o tempo (em sua materialidade transferencial) não consegue operar como corte que revira a cadeia discursiva e desvela a estrutura. A fantasia vem suturar implacavelmente o corte aberto e perpetuar o mesmo ramerrame: truque que infinitiza a contagem que adia – para sempre, se possível – a assunção de seu fracasso.

Real, tempo e desejo

No choque entre o tempo do consciente, que se impõe como linearidade e o tempo inconsciente – descontinuidade que convoca o congelamento da fantasia – surge uma brecha que não seria distinta de chamarmos de desejo: o tempo para um analisante interrogar e haver-se com aquilo que encontrou no real.

Em uma análise, escandir tais passagens implicaria em poder ir inscrevendo marcas ali onde o real, a cada volta, não cessa de não se escrever. E esse ali não é exatamente um ponto de previsibilidade antecipatória, que o sujeito poderia saber com certeza quando compareceria novamente. Ali é o ponto fora-do-tempo que irromperá como surpresa e que, nem analisante, nem analista poderiam ser mestres fiadores de seu surgimento, ainda que possam se fazer mais ou menos sensíveis sobre suas cercanias e hospitaleiros às suas manifestações.

Tal consentimento tem relação com uma mudança na contagem: a contagem que inclui o impossível de contar sem que, com isso, um sujeito precise fazer um sintoma (em sua dimensão de cifra de sofrimento) em seu lugar. Desta maneira, consentir no real e desejar são indissociáveis. Ou então: onde o desejo está em exercício, teria havido reposicionamento diante do real e do objeto a como causa de um desejo.

O momento de concluir

Se o momento de concluir depende da operância do tempo reversível, que desmonta a lógica linear e cumulativa da neurose, haveremos de indicar, agora, por quais condições uma análise poderia chegar a um termo lógico. Tomemos tal momento como uma passagem específica de uma operação maior, compreendida nos três tempos formalizados por Lacan em seu O tempo lógico e a asserção da certeza antecipada e que é correlato de um ato de separação, decisão na qual o sujeito não apenas assente diante da impossibilidade verificada como se afirma para além do saber-fiador do Outro. Separar, como operação que desloca o sujeito a abandonar a insistência de uma garantia na linguagem partilhada, equivale a causar o desejo.

Mas de que depende concluir sem saber? Não é somente constatar a falta no Outro, mas conceber-se como apto a sustentar tal ato: apto a separar-se. Não são poucos os analisantes que, diante do que reiteradamente recolhem de pistas sobre a inconsistência do Outro, respondem com um "não sou capaz de perder o Outro (como consistente)". Uma das formas privilegiadas dessa oferenda sacrificial é a seguinte: "preciso fazer mais para salvar o Outro", ou então "sinto culpa toda vez que vislumbro a deposição do Outro".

É Soler (2008) quem destaca que qualquer momento de concluir depende de um ato diante do indecidível o que, por sua vez, depende de um consentimento com a impossibilidade (p. 92). Isto é, o tempo que uma análise leva para terminar há de incluir – por determinação lógica – o tempo para o sujeito admitir e suportar o resultado encontrado: quantas vezes é preciso que ele tente salvar o impossível antes de poder assumi-lo?

Se escandirmos esse impasse, veremos que concluir sem saber implica em duas operações: constatar o incontável; daí, consentir com o incontável, já que seria possível constatar e não consentir ("eu sei, mas mesmo assim"). Algumas análises podem se interromper aqui, de um modo um tanto atrapalhado, precipitado: "já vi a falha do Outro, agora quero inventar sozinho/a". Ou por outra via: "Já vi a falha do Outro, então seu saber não me serve para nada". Esta seria a neurose respondendo ao furo com uma totalização às avessas: em vez de supor um saber total, supõe um não-saber total. É por isso que, após consentir, restaria ainda como possibilidade a produção de um saber sobre o incontável.

Assim, aposto na pergunta: até que ponto essa seria uma exigência da análise para aqueles que se autorizam como analistas: produzir um saber em análise sobre a própria conclusão? Até que ponto uma análise convida a recolher notícias sobre quais soluções um analisante produz para "se virar com esse resto de nome", como propôs Dias (1995)?

O analista também conclui

Em termos de manejo, um analista tentando encurtar o tempo, impor uma restrição à direção da fala, teatralizar uma interjeição, está mexendo em um jogo que comporta 'n' implicações que participam das possibilidades de sucesso ou fracasso de suas intervenções. Trata-se de uma forçação que o analista aos poucos vai buscando inocular no espaço analítico. "Você já passou por aqui antes!"; "Você já viu o impossível nessa cena"; "Já sabe que há algo que não funciona aqui". Opera aqui o desejo de analista, acompanhado de mil e uma variáveis (táticas ou sintomáticas) para, em maior ou menor grau, na transferência, trançar parcerias com a tolerância, com a paciência, brincar com os infinitos semblantes, os enganos, os ritmos, cadenciar as falhas, consentir em truques, etc.

Em alguns casos de minha clínica, é muito possível ler: fui cúmplice demais de um sintoma de um dado analisante. Em outros, posso ler o impasse pela via oposta: fui muito apressado em fazer barreira a um sintoma. Com o tempo de clínica, nossa forma de responder a esses impasses se torna mais legível. Não é o caso de dizer então que o analista também atravessa seus próprios momentos de concluir diante de cada análise? Quanto tempo precisa emprestar-se ao uso transferencial antes de poder concluir por um corte: "é aqui! (e não ali)"?

Valeria dizer: essas conclusões em que o analista sustenta um ato seu (por exemplo, recusando-se a fazer pacto com a infinitização de sentidos) não dizem respeito a um ato como sujeito (que se separaria do Outro a quem demanda amor e consistência de ser), mas em um cálculo desde a posição em que se deixa investir como objeto na trama de seu analisante.

O afeto da conclusão e a mudança na estrutura

Para concluir, algumas questões se encaminham: consentir no impossível e assumir a dita causa poderia ser considerado como garantia de uma satisfação particular? Digo de outro modo: tal asserção como sujeito (afirmando-se para além da esperança de cópula com o Outro) seria a própria – aliás, seria também a única? – satisfação que uma análise poderia outorgar? Afinal: assumir o impossível implicaria na deposição de diversas defesas que visavam sustentar um possível frente ao furo percebido no Outro.

A mutação na estrutura não é somente que o analisante tenha atravessado seu momento de concluir sobre a inconsistência no Outro, já que este seria tão somente o instante de um ato sobre um indecidível. Então, o que mudaria na estrutura, uma vez que o sujeito continuará sendo constrangido pelo real? A variação seria que, a cada novo impasse diante de seu desejo e seus arranjos, o sujeito possa atravessar os tempos dessa constituição circular, podendo abreviar seu redemoinho neurótico, separando-se, quem sabe, com menos desgaste de sua tentação de novamente supor saberes totais (grifemos!) no Outro. Ainda que a separação não torne o sujeito imune à alienação, talvez possamos sustentar que a advertência inscrita possa operar como marca de uma redução a ser produzida a cada novo encontro com o real. Mais do que um saber-ler, seria de um saber-depor que estamos tratando aqui. Realizar essa espécie de esgotamento lógico dos truques para obliterar os efeitos do real haveria de produzir efeitos nos arranjos sintomáticos que possuem relação com a satisfação possível de ser experimentada.

O que supor depois de depor?

Teríamos, então, que ao final de uma análise, algo cessa de se inscrever diante da verificação de uma impossibilidade. Isso que cessa de se inscrever opera como uma verificação que haveria de ser mais duradoura que uma simples contingência. Não fosse isso, não haveria passe ou qualquer outro esforço para recolher efeitos de tal produção, desse novo saber articulado, duradouro, ainda que não-totalizante. Afinal, depor o saber esperado no Outro como forma de concluir uma análise implicaria em uma produção que haveríamos de considerar como necessária durar no tempo. Lembremos que em Análise terminável e interminável, Freud (2018) já marcava na análise a exigência de que seus efeitos pudessem de duradouros e profundos.

Agora, se consideramos que supor saber não se esgotaria com um final de análise, então qual a diferença entre a suposição de saber de alguém recém-chegado a uma análise e de um analisante que supôs, interrogou, decidiu e verificou as impossibilidades pelas quais depôs o saber pleno que atribuía ao Outro-analista?

Quando pensamos no mecanismo que alimenta a suposição de saber, um efeito de sentido, por exemplo, poderia ser considerado um efeito que serve à instituição da suposição de saber no analista e no trabalho a ser feito: "Há mais a saber. Há saber alhures! Saboreei o prazer de um ganho de saber. Quero mais!" Não é curioso? Precisamos nos servir dos efeitos inebriantes do prazer com o ganho de saber para, servindo-nos desse lastro, frustrar essa busca em benefício da produção de um novo saber tributário da deposição da esperança anterior. Tal passagem temporal precisa ser considerada: favorecer o investimento para, em um segundo momento, desvelá-lo em seu limite e dimensão de engodo.

Soler indicou dois afetos escandidos no tempo em relação a esta experiência: primeiro a melancolia, depois o entusiasmo (aproveitando o significante que Lacan legou em sua Nota Italiana). Conferir a dignidade de um saber a esse mal-estar estrutural parece decidir pelo valor de uma análise: o saber como objeto de gozo é modificado: não mais um saber-rolha-do-real mas um saber-feito-com-o-impossível-do-real.

Que tal suposição de saber no Outro seja esvaziada nos chamaria a reintroduzir a questão em nossos propósitos: jamais suporemos saber em um novo analista (como suporte do Outro)? Não é o que Freud, Lacan e vários autores já disseram sobre o saldo de uma análise. O real sendo reencontrado diante de novos acontecimentos, pode ser que o sujeito se veja interrogado e convocado a produzir outros saberes para responder aí, a cada encontro faltoso. Portanto, para cada encontro faltoso, uma nova interrogação diante do saber falhado no jogo.

O analista argentino Ricardo Pontes (2005) disse certa vez que, após experimentar a caducidade do sujeito suposto saber, o sujeito se reposicionaria diante desse efeito que podemos chamar de diáspora do saber: "O saber se transforma em migalhas de saber, em pedaços de saber, em algo que não se unifica". Trata-se de reconhecer uma conclusão que bastaria somente por um instante,por um pedaço do real – com uma razoável margem de insabível, de inantecipável, de porosidade para eventualmente se revirar e relançar o sujeito na dúvida e no apelo à produção de novos soluções.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CABAS, A. G. O sujeito na psicanálise de Freud a Lacan. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.

DIAS, M. M. A transferência é uma ligação essencialmente ligada ao tempo e seu manejo. In Ideias de Lacan (Org. Oscar Cesarotto).São Paulo: Editora Iluminuras, 1995.

FINGERMANN, D. O tempo na experiência da psicanálise. Revista USP, São Paulo, n.81, p. 58-71, março/maio 2009.

FREUD, S. Análise terminável e interminável. In Obras Completas, vol. 19. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

GERBASE, J. A hipótese de Lacan. In A peste, v. 1, nº 1, 2009, pp. 101-110.

LACAN, J. Posição do inconsciente.In Escritos. Rio de Janeiro, Zahar, 1998.

LACAN, J. O momento de concluir.In Revirão. Revista da Prática Freudiana, Rio de Janeiro, n. 2-3, out./nov. 1985.

PONTALIS, J.-B. Ce temps qui ne passe pas. Paris: Éditions Gallimard, 1997.

PONTES, R. R. Entrevista concedida a Michel Sauval. In Acheronta Revista de Psicoanálisis y Cultura Número 22 Diciembre 2005. Disponível em: https://www.acheronta.org/reportajes/rodriguezponte.htm.

RAMOS, C. Entre contar e Cantor.In Livro Zero, Revista de psicanálise. Lógica e Poética na Experiência Analítica, v. 1, n. 5. (2º Semestre, 2014), São Paulo, FCL-SP / EPFCL-Brasil, 2013. 128p.

SOLER, Colette. O Tempo que Falta. In Os Tempos do Sujeito do Inconsciente (Volume Preparatório para o V Encontro Internacional da IF-EPFCL). Rio de Janeiro, Documento interno editado pela EPFCL-BRASIL, 2008, pp.86-94. 

* Trabalho apresentado na 1ª Jornada Clínica do Instituto VOX, realizada entre 9 e 10 de agosto de 2024. O trabalho encontra-se disponível também na Biblioteca Virtual do Instituto VOX.